“Certa vez, quando Dona Leda e seus amigos estavam espiando por entre as cercas o que se passava na casa de Dona Marta, pôde ver a chegada da polícia. Era uma época em que as visitas policiais aos espaços de religiosidade de matriz africana, como era o caso do terreiro de Dona Marta, eram frequentes. Mano Eloy que estava presente levantou-se e foi resolver a situação com a autoridade policial em questão, que se retirou e deixou o evento do terreiro de Dona Marta prosseguir sem maiores abalos. Essa foi uma das lembranças que foram alçadas como formas de identificar Mano Eloy nas redes de sociabilidade jongueiras e religiosas do morro da Serrinha. O que, inclusive, era um caráter reconhecido pela memória sobre Mano Eloy, que era macumbeiro e um respeitado jongueiro Cumba, daqueles que em meio de uma roda não era só mestre em desatar um ponto como de lançar demandas".
Através de um movimento dissidente de escolas de samba contrárias à ideia do título recém criado de Cidadão Momo no ano de 1935, surge então mais um personagem do carnaval carioca que é o Cidadão Samba.
Divulgado pelo jornal Diário da Noite em 1936 (onze anos antes da fundação do Império Serrano), essa titulação era concedida àqueles que detinham saberes e realizações no circuito sambista e que ao mesmo tempo reivindicavam a cidadania da população afro-carioca através das escolas de samba entendidas como territórios de associativismos negros.
As agremiações, de acordo com a Historiadora Alessandra Tavares, podem ser entendidas como "organizações que se dedicavam ao lazer podendo ser consideradas com base em suas estratégias, compreendidas como caminhos encontrados pelos grupos sociais para reivindicação, positivação e representação de si e de suas práticas, em uma sociedade excludente".
O concurso ocorreu na sede da União das Escolas de Samba e contou com representantes de 32 escolas tendo 18 votos para Eloy e 14 votos pro segundo lugar que ficou com Cartola, representando a Estação Primeira de Mangueira.
Na foto publicada pelo Diário da Noite nota-se uma postura de respeitabilidade e liderança entre os nomes presentes destacando Mano Eloy centralizado com sua calça risca de giz e paletó abotoado fazendo oposição ao símbolo do Rei Momo que carrega consigo símbolos da monarquia através da sua figura enquanto o título de Cidadão Samba dialoga com princípios republicanos.
Esta cena retratada por Cazé é a reprodução da primeira sede do Império Serrano localizada na Rua Balaiada no Morro da Serrinha.
O gigante Mano Eloy foi incansável atuando em várias frentes no âmbito da construção cultural urbana negra do Rio de Janeiro, sendo também um dos fundadores da verde e branco de Madureira.
Eloy Anthero Dias foi um membro fundamental no primeiro ano do Império Serrano, além de ter doado os instrumentos de bateria da Deixa Malhar para a escola recém fundada da Serrinha que seria campeã em seu primeiro carnaval conquistando quatro títulos seguidos entre 1948 e 1951.
“Primeiro ano - Imperial
Segundo ano - Imperial
Terceiro ano - Imperial
Este é o rei dos reis
O campeão do carnaval
São três anos de existência
Quatro anos de vitória
Isto para a nossa escola
É uma grande glória”
(Bráulio de Oliveira)
Mano Eloy presidiu o Sindicato da Resistência dos Trabalhadores em Trapiche e Café entre 1947 a 1950 e sua atuação como líder sindical foi fundamental para os primeiros passos do Império Serrano, pois se estabeleceu uma relação de sociabilidade e de trabalho entre a agremiação e o sindicato.
Já que entre fundadores e moradores do Morro da Serrinha havia um grande efetivo de trabalhadores do Sindicato da Resistência, Mano Eloy inteligentemente adotou a estratégia para que os trabalhadores do porto direcionassem um donativo ao Império Serrano para fortalecer financeiramente o Reizinho de Madureira tendo o livre acesso às festas organizadas da agremiação como uma das contrapartidas.
Pode-se dizer que esse movimento foi crucial para a escola de Madureira se projetar de maneira retumbante, além do seu estatuto seguir o modelo democrático do sindicato da Resistência até os dias atuais.
Depoimento do senhor Mazinho então presidente da Velha Guarda do Império Serrano em 2011 para Alessandra Tavares:
Convidaram também uma pessoa que era presidente do sindicato dos arrumadores para fazer parte da fundação do Império, pois estava faltando grana. E essa pessoa é esse moço aqui
(aponta para o desenho de Eloy Anthero Dias, patrono do Império Serrano, existente na beira do
palco).
Eloy Anthero Dias era presidente lá do Sindicato dos arrumadores, então ele ajudou a fundar o Império e todos aqueles que queriam trabalhar no cais do porto tinham que assinar e dar 50 mil réis, o dinheiro da época:
“Quer trabalhar? Quer? Nós estamos fundando essa escola e você vai ter que dar 50 mil réis" (risos).
Fazia aquela chantagenzinha, né? E o Império veio com aquela força! E por isso que dizem que a origem do Império é o cais do porto.
O Imperio nasceu rico, com dinheiro, mas de trabalhador, não foi de banqueiro! Ficou até um apelido quando eles esnobavam. Na sexta-feira, quando está todo mundo solto, quando chegava o pessoal do cais do porto na Central do Brasil, era aquela euforia: "Chegou o Império rico! Chegou o Império rico!”
Era chopada para tudo o que é lado, mulher bonita e nego todo cheio de dinheiro, nego tudo cheiroso, está me entendendo? Assim veio o Império.
Eloy Anthero Dias certamente representa o "sambista perfeito" presente nos versos de Arlindo Cruz, pois reunia consigo diversos atributos e saberes - líder sindical, jongueiro, sambista, presidente de escola de samba e babalorixá - que o tornou uma das maiores referências no contexto afro-carioca do início do século XX e posteriormente Presidente de honra do GRES Império Serrano. O termo sambista pode ser entendido além da questão musical por ser fruto de um movimento social que reforçou a cidadania através das agremiações fundadas, estes sujeitos reivindicam seus lugares sociais baseado em suas manifestações culturais.
Nei Lopes em sua obra "Novo dicionário banto do Brasil" define o termo "Mano" originário do umbundo omanu, homem com influência, do espanhol "hermano". Dessa forma podemos concluir que "Mano Eloy" atribui-se a um tratamento respeitoso entre os sambistas mais antigos e o retrato estampado na entrada social da quadra do Império Serrano traduz a grandeza desta liderança preta por conta do seu olhar sereno, mas ao mesmo tempo imponente acompanhado do seu charuto aceso zelando a quadra que leva o seu nome.
Pintar o Mano Eloy no mês de Xangô (orixá que lhe é atribuído) certamente foi uma das experiências mais marcantes do NegroMuro pela estreita relação da comunidade da escola com esta divindade iorubá da justiça. A trajetória de vida deste personagem marcante foi de lutar pela justiça da população negra do Rio de Janeiro, sobretudo, do subúrbio e dos trabalhadores da zona portuária para reivindicar a cidadania através de organizações que se dedicavam ao lazer ou ao trabalho.
Viva Mano Eloy! Que sua memória se faça cada vez mais presente.
Axé!